Daniel Vorcaro é fruto de uma relação que começou muito cedo. Quando se casaram seu pai tinha 20 anos, e sua mãe, 16. Alguns de seus tios mais novos têm quase a sua idade.
O problema é que, ainda muito jovem, o pai, Henrique, levava uma vida mais boêmia, gostava de festas e de farrear com os amigos pelos bares.
A história da família – composta também por Natalia, a irmã três anos mais nova – começou a mudar quando o avô, Serafim Vorcaro, um imigrante italiano, resolveu dar um basta nas esbórnias do filho. Serafim deixara o catolicismo e se convertera ao protestantismo. Tornou-se pastor e chegou a ter uma igreja. Achou que Henrique precisava de uma liderança espiritual rígida para dar um rumo novo na vida. Então, levou-o para a Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, à época comandada pelo pastor Márcio Valadão.
Daniel Vorcaro é fruto de uma relação que começou muito cedo. Quando se casaram seu pai tinha 20 anos, e sua mãe, 16. Alguns de seus tios mais novos têm quase a sua idade.
O problema é que, ainda muito jovem, o pai, Henrique, levava uma vida mais boêmia, gostava de festas e de farrear com os amigos pelos bares.
A história da família – composta também por Natalia, a irmã três anos mais nova – começou a mudar quando o avô, Serafim Vorcaro, um imigrante italiano, resolveu dar um basta nas esbórnias do filho. Serafim deixara o catolicismo e se convertera ao protestantismo. Tornou-se pastor e chegou a ter uma igreja. Achou que Henrique precisava de uma liderança espiritual rígida para dar um rumo novo na vida. Então, levou-o para a Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, à época comandada pelo pastor Márcio Valadão.
A conversão funcionou, e Henrique se aquietou. Passou a se dedicar ao ramo de corretagem de imóveis, no que foi bem-sucedido. Grato ao pastor Valadão pela virada em sua vida, Henrique passou a fazer significativas doações à Lagoinha. Esse suporte viabilizou a compra para a igreja, em 1997, de uma emissora de tevê, a Rede Super, que pertencia a um ex-executivo da Rede Globo.
Daniel Vorcaro, que gosta de música, ganhou então um programa musical na tevê comprada com a ajuda do seu pai. Durante um tempo, ele apresentou uma atração chamada Supersônica.
Os laços dos Vorcaro com a Igreja Batista da Lagoinha se estreitaram. Certa vez, o filho do pastor Márcio, André Valadão, hoje o novo líder da igreja, confessou para os amigos que gostaria de ter uma BMW. O desejo era tamanho que ele comprou o carro à prestação. Logo, passou a ter dificuldades para quitar a dívida. Ao saber do aperto, Henrique Vorcaro rasgou as promissórias e bancou o sonho do rapaz. A felicidade foi tamanha que André Valadão anunciou, na igreja, para todos os fiéis, que “Deus fez um milagre”.
Foi com o filho de André Valadão que a filha de Daniel Vorcaro dançou a valsa em seu aniversário de 15 anos. Foi uma festa luxuosa, com show do DJ Alok, que custou 15 milhões de reais, segundo a imprensa de Belo Horizonte. Àquela altura, ele já era banqueiro estrelado, que havia elevado o patrimônio líquido de seu banco, o Master, de 219 milhões para 5 bilhões de reais em apenas cinco anos.
É uma trajetória fulminante, que mudou rapidamente de rota ao longo deste ano e culminou na prisão de Vorcaro na noite de segunda-feira, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando ele se preparava para viajar para o exterior em um avião particular, e com a liquidação do Banco Master. Horas antes, a Fictor Holding Financeira havia anunciado a aquisição do Banco Master, com aporte de 3 bilhões de reais para estruturar a instituição.
A prisão é parte da Operação Compliance Zero, com o objetivo de combater a emissão de títulos de crédito falsos por instituições financeiras que integram o Sistema Financeiro Nacional.
Uma reportagem da edição de outubro de 2024 da piauí contou como Vorcaro se tornou uma das figuras mais comentadas da Avenida Faria Lima, o coração financeiro de São Paulo – e a quem se aliou até chegar lá (leia a íntegra aqui).
Oprimeiro negócio tocado por Daniel Vorcaro foi na área de educação, quando ele tinha cerca de 19 anos. A transação foi viabilizada pelo pai, que comprou um curso de segundo grau, chamado PQS Emprendimentos Educacionais LTDA, e uma empresa de livros didáticos, e entregou para que o filho administrasse. Ele diz que o negócio foi um grande sucesso. “Todo mundo falava que eu era muito jovem para ter esse curso. Sempre foi assim. Sempre tentaram dizer que eu não estava preparado para as coisas, e sempre deu certo. Sempre enfrentei preconceitos e as dúvidas das pessoas. Eu fiz a reestruturação dessa empresa e, em dois anos, a vendi.”
Há uma versão diferente. Ex-funcionários do PQS contam que a experiência, na verdade, naufragou. A gestão era confusa. Juntaram pessoas de áreas distintas – do curso e do livro didático –, que não se entediam na forma de operar, e a experiência fracassou. O curso foi vendido para uma rede de educação de Belo Horizonte.
Em 2004, aos 21 anos, Vorcaro passou a trabalhar nos negócios do pai, que incluíam duas incorporadoras imobiliárias, a Multipar Empreendimentos e Participações e a Mercatto Corporações Imobiliárias, além da Pacific Realty, para aluguel de imóveis. Em 2011, aproximou-se dos irmãos Antonio Augusto Conte e Vicente Conte Neto, de São Paulo, herdeiros de uma administradora de cemitérios e sócios, na época, da gestora de recursos Blackwood. Essa gestora envolveu-se, junto com Henrique e Daniel Vorcaro, em um negócio ousado. Às vésperas da Copa do Mundo de 2014 a Prefeitura de Belo Horizonte decidiu dar incentivos aos empreendedores que construíssem hotéis na cidade. O grupo resolveu participar da construção do hotel Golden Tulip, em uma área decadente da cidade. A Multipar dos Vorcaro adquiriu um prédio abandonado na região e assumiu a reforma com os irmãos Conte e a RFM Construtora. A previsão era que a velha estrutura se transformasse em uma torre de vidro de 37 andares, com heliponto, restaurantes, SPA e um centro de convenções de 7 mil m².
Pelo contrato com o município, o Golden Tulip teria que estar pronto até 30 de março de 2014 para abrigar os turistas que começariam a chegar em julho. Apesar de um investimento de mais de 200 milhões de reais, com a participação da prefeitura, a obra foi paralisada, porque o dinheiro acabou.
Com o fracasso do projeto hoteleiro, os irmãos Conte deixaram a Blackwood. Antonio Augusto Conte montou uma empresa de investimentos chamada H11 e Vicente Conte Neto criou um fundo de investimento em cemitérios, chamado Zion, do qual Daniel Vorcaro virou sócio direto, embora tenha continuado a trabalhar com o pai. O trio voltaria a se reunir, dois anos depois, quando Daniel deu a grande virada na sua vida: tornou-se um banqueiro.
A chance apareceu depois que o Banco Máxima, do paulistano Saul Sabbá, foi inabilitado pelo Banco Central em 2016 por gestão fraudulenta e rombo de caixa. Sabbá ofereceu o Máxima a Daniel Vorcaro. Era uma ação entre amigos. Daniel me disse que conheceu Sabbá somente em 2016, mas que fazia negócios com o banco desde antes, quando o Máxima lidava com os fundos imobiliários, as incorporadoras e as imobiliárias dos Vorcaro.
De posse da opção de compra do Máxima, Daniel Vorcaro procurou os irmãos Conte e propôs sociedade. Como o banco estava praticamente quebrado, eles precisariam desembolsar apenas o suficiente para a instituição voltar a funcionar. Os irmãos toparam. Mas, antes, precisavam da autorização do Banco Central. O pedido foi feito em 2017. A autorização só saiu em 2019. Em 2021, Vorcaro trocou o nome do banco para Master.
Conseguir o banco foi “um ato de obstinação”, diz Vorcaro. “Não é qualquer coisa que me abala ou me faz desistir, o que, de certa forma, atribuo à minha fé.” Ele conta a sua via-crúcis até obter a liberação do BC: “Tive que trabalhar muito com o Banco Central. Apresentar projeto. Apresentar equipe. Passei um período de quase dois anos indo umas três vezes por semana a Brasília, para conversar com o pessoal do banco. Passei até por uma diligência pessoal. Mas eu tinha uma equipe, tinha projeto. A minha proposta não era só capitalizar o banco, era criar uma instituição em outros moldes.”
Quando perguntei ao gestor de um grande e tradicional fundo de investimento sobre o banqueiro, no ano passado, a resposta foi: “Daniel Vorcaro? Eu não o conheço muito, mas todo mundo gosta de falar dele. Já o banco, bom, a gente não entende muito bem a estratégia dele.” E continuou: “O Master não é um banco que empresta dinheiro. Ele capta recursos via depósitos a prazo, os CDBs, pagando uma taxa altíssima para os compradores de seus papéis. Com esse dinheiro que arrecada, investe em seus fundos recheados com um monte de ativos esquisitos: Light, Ambipar, CVC, Oi, Gafisa. Todas meio quebradas, né? Isso, para mim, é meio fora do comum.” A mesma dúvida povoa a cabeça de analistas financeiros, Faria Limers ou não. Para muitos, a forma como Vorcaro opera é mais do que ousada: é excessivamente ousada.
A regulação do Banco Central permite que os bancos operem com certo risco. Para cada 1 real que o controlador coloca em sua instituição financeira, ele pode comprar até dez vezes mais em ativos. Ou seja, para cada 1 real de capital, o banco pode ter até dez vezes mais em empréstimos de cartão de crédito, crédito consignado, crédito imobiliário e por aí vai. Para não se expor excessivamente, a maioria dos bancos brasileiros opera – ou se alavanca, no jargão do mercado – seis vezes, no máximo, para cada 1 real de capital. O Master operava no limite permitido pelo Banco Central: dez vezes, com ativos que são investimentos em empresas problemáticas, e não empréstimos seguros.
A discrepância com as práticas tradicionais das instituições financeiras não acabava aí. A maioria dos bancos, para captar o dinheiro com o qual toca suas operações, como empréstimos e outros produtos, emite CDBs a taxas de juros que não ultrapassam 98% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), cujo valor se aproxima da famosa taxa Selic – que levou a muitas quedas de braço entre o presidente Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O Master, porém, oferecia o seu CDB a uma taxa de até 130% do CDI, muito acima da praticada no mercado.
“A operação poderia até ser compreendida como uma ação mais agressiva para atrair mais dinheiro para o banco, caso ele aplicasse esses recursos que arrecada em negócios de alto retorno”, me disse um gestor. “Mas o que ele faz é justamente o contrário: capta dinheiro a um custo muito alto e investe em empresas em dificuldade. Sua aposta é que, lá na frente, essas empresas se tornarão rentáveis, e ele poderá ter um imenso lucro. É uma jogada arriscada, claro. Se as empresas não tiverem bons resultados, o Master pode vir a ter um problemão.”
Em dezembro do ano passado, o então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, convocou os dirigentes do Banco Master para uma reunião de emergência, na sede da instituição, em Brasília. Vorcaro liderava a comitiva. Na reunião, Campos Neto e outros diretores do BC fizeram duas exigências. Mandaram que parassem com as operações arriscadas e abusivas, como a emissão desenfreada de Certificados de Depósito Bancário (CDBs), e fizessem um aumento de capital – ou seja, colocassem mais 2 bilhões de reais no banco. O BC deu um prazo de três meses, até março, para que os ajustes fossem feitos. Caso contrário, o banco seria liquidado, os donos teriam o patrimônio congelado e ficariam proibidos de operar no mercado.
Era uma medida dura, mas acertada. Afinal, o Master, um banco de pequeno porte, tinha nada menos que 50 bilhões de reais emitidos em CDBs e, para piorar, seu balanço indicava que não tinha fundos para pagar os mais de 12 bilhões de reais de CDBs com vencimento neste ano, já que a carteira de ativos do banco, que poderia servir de garantia para os CDBs, estava recheada de empresas à beira do precipício ou em plena recuperação judicial.
Na tarde de 28 de março, com o prazo dado pelo BC já entrando nos acréscimos, veio o anúncio que pegou o mercado de surpresa: o Banco de Brasília (BRB), uma instituição estatal de médio porte controlada pelo governo do Distrito Federal, cujo patrimônio líquido não passa de 3,7 bilhões de reais, decidiu comprar o Master por 2 bilhões de reais – exatamente o valor do aporte de capital que o BC exigira. A piauí narra essa operação de salvamento em reportagem de maio deste ano (leia aqui).
Após meses de análise, o negócio foi vetado pelo Banco Central em setembro.















